O PSB de São Paulo desfiliou o vereador Camilo Cristófaro do seu quadro político, após o parlamentar ter o seu áudio vazado no plenário da Câmara Municipal dizendo a frase “Não lavar a calçada…é coisa de preto, né?”, na frente dos outros companheiros da casa.
O flagrante aconteceu no início da sessão que ouviu a ex-CEO da empresa Uber, Claudia Woods, e o sócio da empresa de motofrete THL, Thiago Henrique Lima.
Camilo Cristófaro não estava presente na Câmara durante a fala, mas participava da sessão de forma remota, através de videoconferência. A imagem do parlamentar não apareceu no painel do plenário durante o vazamento do áudio, mas a mesa que dirigia os trabalhos confirmou que ele já estava plugado e participando da sessão. Tentando se defender da situação constrangedora, o parlamentar se enrolou mais ainda, pois deu duas versões diferentes para a situação. Primeiro, disse que falava sobre carros. Depois, que se dirigia a um amigo.
“No primeiro momento, a ideia era abrir o processo no Conselho de Ética para garantir o direto de defesa. Mas houve uma cobrança interna muito forte de membros do partido exigindo uma solução mais rápida. Temos uma negritude muito forte dentro do partido. O Márcio França [pré-candidato a governador] e a Tábata Amaral [presidente do diretório municipal do PSB] também falaram comigo sobre isso, foi um entendimento do partido como um todo”, disse o presidente estadual do PSB, Jonas Donizette.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram um aumento significativo dos processos de racismo abertos pelo Tribunal de Justiça de São Paulo entre 2018 e 2020. Em 2018, a Justiça paulista abriu 20 processos por racismo no estado. No ano seguinte, o número saltou para 254 e, em 2020, chegou a 269.
O gabinete da vereadora Luana Alves entrou com uma representação na Corregedoria para que Cristófaro seja investigado pela Casa por ato de racismo. “Infelizmente nós temos a sessão completamente tumultuada por um áudio que tem a voz do vereador Camilo Cristófaro, que acaba de proferir uma frase extremamente racista. Eu queria não acreditar que essa fala existiu, mas infelizmente existiu. Conversamos ali atrás, queria pedir à secretaria da Mesa das notas taquigráficas. Ficará registrado. Ficou acordado que todos aqui são testemunhas para todas as ações que venham a ocorrer se ficar comprovado que é do vereador Camilo Cristófaro, como parece ser”, disse a parlamentar.
Já o mandato coletivo Quilombo Periférico, liderado pela vereadora Elaine Mineiro, do PSOL, enfatiza que a fala é nitidamente racista, “alimentadora de estruturas que mantêm a população negra em posição de incompetência e inferioridade, sendo ofensiva a um conjunto indeterminado de pessoas, violentando todas as pessoas negras”.
A Câmara Municipal abrirá um processo disciplinar contra o parlamentar. O procedimento precisa ainda ser aprovado pela maioria absoluta do plenário, ou seja, 28 dos 55 vereadores. Após passar pelo plenário, o processo entra na fase de instrução, quando Cristófaro terá espaço para apresentar sua defesa. Ao final, o procedimento pode levar à suspensão ou cassação do mandato do vereador.
O presidente da Câmara, Milton Leite (União Brasil), lamentou com “indignação imensa” a fala do vereador. “É com uma indignação imensa que lamento mais uma denúncia de episódio racista dentro da Câmara de Vereadores de São Paulo, local democrático, livre e que acolhe a todos. Como negro e presidente da Câmara tenho lutado com todas as forças contra o racismo, crime que insiste em ser cometido dentro de uma Casa de Leis e fora dela também.
Histórico polêmico
O vereador Camilo Cristófaro (PSB) é figura frequente nas confusões da Câmara Municipal. Em março, ele ingressou com uma representação na Corregedoria da Câmara Municipal de São Paulo contra o colega Adilson Amadeu (União Brasil) após os dois se xingarem no grupo de WhatsApp dos vereadores.
A briga ocorreu na noite de 5 de março, após uma discussão sobre a atuação de parlamentares na chamada Feirinha da Madrugada, área de comércio popular no Brás, no Centro de São Paulo. No grupo, Cristófaro insinuou que Adilson Amadeu é “sócio da Feirinha da Madrugada”.
Em junho de 2017, Cristófaro já havia protagonizado um bate-boca que terminou em agressão física a um assessor parlamentar do vereador Eduardo Suplicy (PT), que teve o celular arrancado da mão após a discussão.
Outra confusão protagonizada pelo parlamentar foi realizada no último dia 14 de março, quando uma moradora registrou boletim de ocorrência por injúria no 26º DP do Sacomã contra Camilo Cristófaro após ser agredida verbalmente por ele ao reclamar de enchentes na Zona Sul de São Paulo. A situação ocorreu durante visita de Ricardo Nunes (MDB) ao bairro. Ao falar com o prefeito sobre a situação da região, a assistente social disse que foi xingada e arrastada pelo braço por Cristófaro. Durante seu depoimento, o vereador afirmou que o caso é fruto de disputa de políticos da região.
Outro caso de racismo
Em setembro de 2019, o vereador do PSB foi acusado em outro caso de racismo. No plenário da Câmara Municipal, ele chamou o vereador Fernando Holiday (Novo) de “macaco de auditório”. Na época, Holiday se sentiu “revoltado” ao ouvir as falas. Cristófaro se defendeu dizendo que “macaco de auditório” é uma “expressão popular”.
Racismo no Brasil é crime
O racismo é crime no Brasil, previsto na Lei 7.716/1989, que foi elaborada para regulamentar a punição de atos de preconceito de raça ou de cor. Além disso, desde 2021 o crime de injúria racial pode ser equiparado ao de racismo e ser considerado imprescritível, ou seja, passível de punição a qualquer tempo.
“É uma tristeza, lamentável que nos dias de hoje ainda sejamos obrigados a ter que ouvir isso”, diz o diretor da Revista Raça e comentarista da CNN, Mauricio Pestana.
De acordo com dados da Secretaria de Justiça e Cidadania do estado de São Paulo, já foram registradas mais denúncias dos crimes de racismo e injúria racial entre janeiro e abril de 2022 do que em todo o ano de 2021. Já foram registrados 174 casos nas cidades paulistas neste ano, contra 155 durante todo o ano anterior. Durante os mesmos meses de 2021, os documentos indicam 20 casos – um aumento de 625% na comparação entre os dois anos. Entre os anos de 2020 e 2021, também houve aumento, porém menos expressivo: em 2020, foram 49 casos.
Matéria originalmente publicada pelo Jornal Acontece Agora. Clique aqui e visualize o conteúdo completo.